18.11.09

Novas terminologias para antigos conceitos


Foto extraída do site www.dzai.com.br

Convivi por um tempo com uma gerente de marketing de um grande grupo de varejo que tinha a insuportável mania de americanizar seu discurso. Até em uma conversa coloquial, em dez palavras nove eram expressas em inglês. A coisa era  tão crítica que me obrigava a decorar os termos na hora pra consultar depois. O que ela mais usava era "below the line" e, por isto, este ficou sendo o apelido da moça, como piada interna no trabalho.
E mais: passei a adotar a expressão para tudo onde se inventa um estrangeirismo ou uma nova terminologia para velhos conceitos. Há uma mania já instituída no mercado de Comunicação ou nas searas acadêmicas de se transformar palavras consolidadas nos dicionários e de significados explícitos, em "novas" nomenclaturas, a cada vez que se escreve um livro ou se dá corpo a uma determinada ação ou estratégia mercadológica. A Internet é um prato cheio pra isto. Para as expressões "below the line".
Acabei de ler Do Broadcast ao Socialcast, coletânea organizada por Manoel Fernandes e me detive no excelente texto de Marcelo Coutinho, que retoma e insere na discussão sobre redes sociais um termo antigo, mas aplicável a muitos dos fenômenos atuais: Convergência. Digo antigo porque, no campo das Ciências da Comunicação não é de hoje que vem sendo utilizado quando se fala em mídias contemporâneas e tecnologias digitais de informação e comunicação.
Em um artigo para a revista Verso e Reverso, da Unisinos, os pesquisadores Elizabeth Saad (ECA-USP) e Hamiton Corrêa (FEA-USP) definem com muita propriedade o termo quando aplicado a ambientes midiáticos, ressalvando a ambiguidade da palavra em diferentes contextos.
Os autores partem do trabalho de Gracie Lawson-Borders, da Kent University, que conceitua convergência como “um conjunto de possibilidades decorrentes da cooperação entre meios impressos e eletrônicos na distribuição de conteúdos multimídia por meio do uso de computadores e da internet”.
Isto basta para a minha compreensão, corroborando com Saad e Corrêa, que entendem que "computadores e a rede são as fontes agregadoras de conteúdos gerados por diferentes meios, a exemplo do rádio, da TV e dos meios impressos; e distribuídos em diferentes plataformas como conexões sem fio, cabos e satélites. Computadores e internet são os elementos determinantes, ou o espaço de configuração da convergência".
Bom, dito isto alguém me explique porque cargas d'água termos como Social Shopping e Social TV estão sendo cunhados como as últimas novidades das estratégias em mídias sociais, vedetes da Internet, a ponto destas tereminologias serem chamadas de novas mídias. Tanto uma coisa quanto outra não passam da convergência de meios e estratégias, no meu modo de ver. Por que é preciso dar nome ao que já se insere numa expressão consolidada e facilmente compreensível?
Em menos de uma semana a mídia mundial especializada em redes sociais tratou dos dois assuntos como grandes novidades. O Social Shopping nada mais é do que a fusão das redes sociais com as compras online, como as promoções do Twitter em tempo real, por exemplo. Não parece um caminho óbvio, considerando o crescimento dos modelos de interação na rede?
Por que não considerar que há uma convergência das redes sociais com o comércio eletrônico? Isto é naturalização de processos.
No segundo caso a nova expressão é ainda mais questionável. Três exemplos da Social TV foram divulgados com o mesmo alarde: um novo formato comercial da ESPN, que passou a oferecer a seus anunciantes o patrocínio de páginas da web que reúnem tweets de diferentes personalidades associadas ao canal; a transmissão de tweets de telespectadores de um programa da rede TBS em telões na Times Square e; finalmente, a liberação de acesso a um site de conteúdo exclusivo através do Twitter de um talk show da Warner Bros.
Francamente tudo isto, para mim, não passa do curso natural das coisas a partir de novos formatos da comunicação. Ou seja, na medida em que a audiência dos meios tradicionais migra para as redes sociais e estas sedimentam uma forma de relacionamento participativo e colaborativo, nada mais óbvio e "estratégico" do que a convergência das linguagens dos dois planos. Onde é que está o diferencial que merece uma terminologia a cada semana?
Desta forma vamos partir para a Social Radio, Social Newspaper, Social Out-of-home e Social Bathroom - para aqueles que costumam atualizar blogs e tweets no banheiro.

4 comentários:

Ian Castro disse...

Adorei o post, professora.

A justificativa para o surgimento destes termos (geralmente em ingles, ou, se você é muito chique, em francês) é a mais ridícula o possível: a aparência.

O que torna tão difícil fugir disso é justamente o fato do mundo ser feito de aparências. Se você (seja "entre os seus" ou na frente de um cliente) diz "convergência entre mídias" você é... um "bufa" (com todo o perdão da expressão, usada pelo meu amigo pugilista Reginaldo Hollyfield). Mas se você diz crossmedia: "êpa, vamos parar e ouvir porque este cara sabe do que fala". O crossmedia te transforma no carinha mais "atenado"com as últimas tendências (ainda que sejam as do século passado =P).

Traduzir um termo? NUNCA! Só estudante de terceira categoria que fala Mídias Sociais (mal aí Tarcízio heheh =P), se você é profissional mesmo vai fazer um trabalho com Social Media. Você vai fazer SEO e trabalhar para que o bounce rate do website do seu cliente caia. Se você só otimizar o site para mecanismos de busca e fizer a tava de rejeição diminuir, você fez o que qualquer filho-do-vizinho que "mexe" com computador faria.

É triste, mas é verdade =P

Tê Barretto disse...

É isso aí, Ian. Mais "below the line" impossível. E vamos continuar fingindo que a gente entende. Enquanto isso, o Brasil do interior está sendo alfabetizado digitalmente em "Lãs rauses".

Anônimo disse...

nossa "crasse média"adora americanizar.Vc já leu o manual da classe média na Carta Capital dessa semana? Muito bom! No mais mais, tá tudo mais pra social chiqueiro.
Eu, o anônimo do outro blog rsrsrs

Tê Barretto disse...

Rs. Obrigada por "migrar". Vou inventar um nome pra isso também!
Que tal "Social Wanderer"?
Vou ver a matéria da CC.