26.10.12

Quando Domingo Chegar...

Chico Buarque de Hollanda é blindado a paródias, comparações, analogias. Mas não pude deixar de lembrar da letra de Quando o Carnaval chegar ao me deparar, nos últimos dias, com situações pra lá de tensas entre "amigos" do Facebook por conta das preferências ou intenções, eu diria, para este pleito eleitoral em Soterópolis.
A cortesia, a "amizade", a cumplicidade, a educação e a etiqueta que fazem da rede uma rede social de pares com afinidades culturais, pessoais, profissionais, de mútua compreensão e "ouvidos" atentos aos demais, esfacelaram-se.
Li discussões públicas e acaloradas, não daquelas que amigos de torcidas de futebol, de mesas de bar, de encontros casuais em padarias, botequins e babas de praia praticam no dia a dia. O que li foram ofensas pessoais, defesas a seus candidatos a prefeito repletas de ironia e sarcasmo, xingamentos e até, para minha absoluta surpresa, ex-pares e companheiros de lutas e práticas políticas desrespeitarem e desconsiderarem anos a fio de grandes amizades e companheirismo.
O que ficará, então, depois que o domingo chegar? E passar?
Olá, como vai, querida (o), vamos ali tomar uma, que tal um cinema, um pagodinho, um baba, uma praiazinha?
No que que cabe a mim neste rol de ofendidos (e aproveito para me desculpar se, por acaso, ofendi a alguém) ou, minimamente, surpresos e sensibilizados restará a saída pela tangente.
Entro sim, numa boa discussão e demoro a sair. Uso e sempre usarei uma rede pessoal na internet para expor pontos de vista e provocar mesmo a discordância e a polêmica. Me entendo como uma cidadã política e não vejo nada demais em exercer publicamente este papel. Compartilhei angústia, decepção, desalento, expus minhas motivações para dúvidas das escolhas e medidas e sempre esperei, não um confronto, mas o convencimento do contrário.
Que tive, em alguns momentos. Tive bons embates que me trouxeram mais dúvidas ou mais reiterações de impressões. Sequer revelei publicamente meu voto nem fiz campanha, uma vez que optei (e novamente assim será no domingo, pelo voto de exclusão).
Nunca me referi a ninguém, publicamente, a não ser aos próprios candidatos ou ao mainstream que os exaltava ou esculachava.
Por isso acho, mesmo, imperdoável, que um comentário que contraria uma defesa escrachadamente interessada seja desrespeitado com citações nominais e, a partir delas, descambe em ofensas pessoais. E, quando digo, pessoais, digo muito, mas muito pessoais. Daquelas que ofendem pessoas com quem compartilhamos offline toda uma vida e que, no meio da baixaria, deixam de lado o fato de que lhe conhecem para além de uma lista de comentários compartilhados.


Os candidatos que disputarão domingo as eleições para Prefeito de Salvador valem isso? Suas propostas para tirar esta cidade da lama (que é, no fundo, o que a maioria de nós quer) são, de fato, soluções nas quais podemos crer? Seus conchavos, seus financiadores, seus apoiadores, suas máquinas de fazer dinheiro e mobilização, seus argumentos merecem a nossa insônia e a nossa falta de bom senso para comprometer amizades, sejam estas superficiais ou, até então, inigualáveis?
Neste caldeirão de sentimentos e ressentimentos, o que é de verdade vai ficar, por incrível que pareça, pelo silêncio.
Tenho um grande amigo defensor de causas e pessoas com as quais me decepcionei, de crenças nas quais não mais acredito. Mas, em momento algum, trocamos sequer uma palavra sobre o assunto. Porque não haveria consenso. O nosso respeito ao outro, dando espaço para cada um na rede e na rua, o nosso carinho, o nosso afeto é enormemente maior do que um possível sacolejo na nossa relação. Por isso, depois que domingo passar, é com ele que eu irei, para o resto de nossas vidas, ao cinema, como sempre fizemos. Vida que segue.


12.8.12

Um rei nu para um reino afundado

Imagem extraída do blog do Roberto Leite

Menos de dois meses para as eleições municipais. E a cada dia aumentam minhas elucubrações sobre os critérios para o meu voto a prefeito de Soterópolis. Sim, meus princípios políticos, a esta altura da vida me impedem de votar em branco ou nulo.
Entretanto, talvez este seja o primeiro dos tantos pleitos majoritários que não asseguro de primeira o que desejo. Porque o que desejo está longe de questões ideológico-partidárias que garantiram meu voto outrora. Ou de apostas em planos e propostas concretas e revolucionárias, de continuidade ou contraposição. Ou da confiança em pessoas de caráter e capacidade administrativa na área pública inquestionáveis.
O que desejo agora é um prefeito capaz de tirar Salvador do fundo do poço, que parece não ter fundo. Peço muito? Hoje, "guardada" na cafeteria de um cinema, conversava sobre como viver a cidade tornou-se difícil. Eu, que fazia programa de turista em meu cotidiano me sinto numa ilha, onde não é seguro nem possível usar e compartilhar serviços e equipamentos públicos. Vivemos imobilizados e órfãos. Isso não foi só incompetência de gestão. Foi desamor.
Por isso, após o primeiro debate televisivo resolvi adotar como critério principal de escolha o amor à cidade. Deixei o pragmatismo de lado e me rendi ao romantismo. Votaria naquele que, pelo menos, demonstrasse uma paixão absoluta a ponto de me fazer crer que iria dedicar-se incondicionalmente para possibilitar aos munícipes o resgate da auto-estima, no poço junto com a cidade.
Então vou acompanhando os candidatos: suas agendas, suas posturas, seus discursos, suas ações espontâneas ou roteirizadas e o critério, assim, vai evoluindo para as eliminações. Há prerrogativas: o capital político, os apoiadores e mentores (diz-me com quem andas e eu te direi quem és...), uma certa "garantia" de autonomia administrativa e, por que não dizer, parecer ter colhões.
Ontem, compartilhando essa angústia do meu compromisso político com um ex-militante de esquerda, combatente da ditadura e com uma história de crenças políticas muito parecida com a minha, ele me lançou um novo critério: "penso em votar em um candidato que não se permita errar". Gelei. Ele tem razão e isso agora também faz parte das minhas elucubrações que, de uma só guilhotinada, já cortou duas cabeças na lista dos prefeituráveis, em minha opinião. Uma dessas com o agravante de não transmitir credibilidade na seriedade que tenta impetrar aos seus propósitos e, principalmente, por ter caráter duvidoso, de desrespeito a seus pares. E uma terceira cabeça nem entrou na lista pelo precedente de demagogia crônica. E uma quarta, por me parecer absolutamente inverossímil, um chiste, uma piada.
Logo, de eliminação em eliminação, vejam só a que ponto cheguei: tenho apenas dois candidatos votáveis, dos seis lançados. Acho triste. Triste a falta de opção pela falta de convicção. Triste ter que quebrar a cabeça para encontrar um fio de esperança em um gestor que possa salvar a cidade, em desgraça e, ainda ter firmeza para planeja-la como metrópole que é. E não como província, que parece ser. Vamos ver, no tempo que sobra, o que vem por aí.

25.7.12

O caso Nokia: conquista civil ou retrocesso da Comunicação?


Estamos vivendo neste século o dilema dos limites e da dicotomia entre o bom senso e o exagero. Acreditamos que conquistamos, ainda no século passado o "mundo" e com ele quiçá avanços nas leis de proteção da sociedade, sobretudo a de consumo. O Código de Defesa  do Consumidor no Brasil, por exemplo, é sério e representa de maneira incontestável esta conquista. Ou quase. 
Quase porque a velocidade das coisas e as transformações dos hábitos desta mesma sociedade exigem revisões sobre as leis e as convenções sistematicamente. Como tenho um pé lá, no Século XX e outro cá, vivo e compartilho diariamente conflitos de ordem ética, principalmente, no campo da Comunicação e da Publicidade, só pra falar do que me cabe profissionalmente deste latifúndio.
Daí fui tentar entender essa celeuma envolvendo a ação da Nokia na Web. E como esse espaço aqui é de reflexão, vamos à minha: 
Francamente, acho um retrocesso e uma falta de percepção do que é o ambiente digital. Esta lei caduca e contraditória usada como argumento não cabe nestas circunstâncias que envolve, sobretudo, o relacionamento da marca com seus prospects, que atuam na Internet e nas Redes Sociais num modelo, num modus, num formato que constituiu-se independente da vilania e da tirania do poder do consumo, que, óbvio, existe e tem lá seus truques insanos.
Entidades, como o CONAR e o PROCON, especialmente envolvidos neste episódio, em vez de ameaças de punição e multa, tem que discutir e buscar seus posicionamentos sem o rigor simbólico da correção política, outra conquista que está virando camisa de força. A resposta que devemos ter, de maneira consciente e, sim, legislada é: onde e como se aplicar os princípios e conquistas da Comunicação e da Publicidade quando o hoje já é ontem.
A Nokia não fez nada diferente do que uma estratégia de mídia criativa. Nada além do que uma campanha de expectativa, um teaser, recursos usados há anos pela propaganda mundial convencional.
Acontece que o suporte, o meio (a Internet e as redes sociais), não foram entendidos como meios de comunicação. E dificilmente são. É essa a discussão que precisamos ter!
Se milhões de pessoas se postam todos os dias à frente de uma TV para assistir a uma novela nonsense, das mais inverossímeis já vistas na televisão brasileira como torcedores vendados e, nem por isso se sentem "enganadas", por que a Nokia estaria agindo de má fé com os usuários da Internet ao promover uma ação básica de engajamento, que é o marketing viral?
A Internet é um ambiente comunicacional e, dentro dele, cabem sim, estratégias midiáticas.
Acho, por ora, uma grande miopia. Tenha paciência. A Nokia usou resursos, ao meu ver legítimos, para sua campanha de expectativa do lançamento de um novo produto.
Isso é feito em todo mundo, por grandes marcas. Lembro de uma ação genial de um container que foi colocado nas ruas de Tokio por dias, com toda a ação desde o transporte por navio até a reação das pessoas filmada, viralizada e, depois do buzz causado, o container foi aberto e a surpresa revelada. 
Era o lançamento de um carro com toda pompa e circunstância. E ninguém penalizou ninguém por isso. Isso é ideia criativa na Comunicação, usando ferramentas de promoção e web. 
Qual é o grande problema, então? A apropriação do habitus, como diria Bourdier. O frenesi de compartilhar os vídeos da Nokia nada tem a ver com solidariedade nem cumplicidade emocional ao brodinho que perdeu o amor da vida dele na balada, me façam o favor! Tem a ver com a forma frenética de compartilharmos urgências e chegarmos primeiro em nossas redes sociais. E é nisto que a Comunicação trabalha. 
Se abrirem esta prerrogativa punitiva, é melhor extinguir a profissão.

23.5.12

A loira, o negro, os cães e a caravana

Foto: reprodução publicada no site PortalImprensa

Não conheço essa moça, Mirella Cunha. Nunca a vi atuando, a não ser em duas "entrevistas" através de vídeos no YouTube, ambas para o programa Brasil Urgente, para o qual trabalha (ou trabalhava), na Band-BA. Uma, com os gêmeos da cidade de Mossoró que subtrairam dinheiro da família para passear em Salvador. A outra, a famigerada entrevista da concórdia. Sim, concórdia, porque parece uníssona a crucificação da entrevistadora, que violou os direitos constitucionais de um suposto estuprador, na situação, detido exclusivamente por roubo.
Olhando a performance da moça, a considerei lastimável no exercício da profissão: postura de desdém, péssimo desenvolvimento da pauta, dispersa e desleixada na elaboração das questões, jocosa em sua expressão e linguagem, domínio da língua portuguesa sofrível e, sobretudo, impaciente e debochada na relação com as fontes. E não há dúvida quanto à gravidade da situação em que se postou, de desrespeito ao entrevistado e ao público.
Entretanto, entendo que estão transformando a moça "graduada em uma F qualquer" (imagine se nem diploma tivesse) em algoz de uma situação que vem há muito corroendo o jornalismo decente. E daí que ela é formada em uma "F"? Seu chefe, o apresentador Uziel Bueno é faconiano, formou-se na Faculdade de Comunicação da UFBA, prestigiadíssima, e está pautando sua vida profissional à frente de um programa de "conceito" questionável, popularesco e policialesco, desempenhando um papel tão triste quanto o de sua subordinada. Atrás de Mirella e Uziel há um sistema. Há um sindicato, há uma federação de profissionais, há uma equipe interna que "pensa" o que vai ao ar, há um editor, um diretor, um pauteiro, um coordenador de programação, um empresário dono da emissora, a OAB, o MP, os governos, o escambau. Todos cegos até aqui. Omissos.
Porque o que existe não é um problema da emissora, pontuado neste episódio. Não é um problema da Bahia e, não é puramente, um problema dos profissionais envolvidos na prática deste formato jornalístico. Embora, até a questão de racismo já tenha entrado no jogo dos argumentos, sem o menor cabimento, na minha opinião. O contexto é aquele, seja o meliante azul, preto, amarelo ou vermelho. Essa terra não acaba nunca com essa síndrome. E se ela fosse negra e não loira? Se recusaria a fazer tal papel?
E, também, muito menos é um problema da audiência. Sobre os telespectadores, inclusive, o mínimo que li foi: "pobre gosta é disso". Vejam só. A culpa do descalabro da atividade jornalística, principalmente na área televisiva se resume, neste momento, a Mirella, a loira, e aos pobres da Bahia, que assistem e gostam do programa que ela ajuda a fazer. E agora a repórter acaba de receber uma representação do Ministério Público, além de uma repreensão que fatalmente descambará em sua demissão da Band-BA. Tá certo. Alguém vai pagar o pato. Por que uma profissional como ela foi contratada? Por que foi mantida se, mais cedo ou mais tarde, seria um mau exemplo?
Por muito menos já vi profissionais competentes em redações de verdade serem demitidos sumariamente. Simples: porque é exatamente o jeito de se portar da moça que atende aos objetivos do programa e, portanto, ao sistema onde o que menos importa é o cumprimento das leis, a responsabilidade com o código de ética, a preservação da moral, o compromisso com a verdade e a competência no exercício profissional.
E essa mobilização toda que personaliza a questão e joga pedra com tanta veemência, vai continuar para resgatar a dignidade da profissão, cuja sorte começa pelas faculdades que assinam embaixo dos diplomas desqualificados? Nas redações que contratam estagiários sem-noção em vez de profissionais treinados, com repertório, bom senso e experiência? Ao contrário, os demitem. Nas políticas públicas de comunicação e informação, além de entidades afins, que devem educar e punir quando a ética é jogada no esgoto em nome da garantia da atenção e audiência? Nas entidades classistas imóveis e retardatárias, que só gritam depois que a opinião pública se manifesta, principalmente através das redes sociais? Ou Mirella vai virar o "exemplo", ser banida da profissão, enquanto a caravana passa?