Rebeldes e Kadafi morto: foto-souvenir(Saad Shalash/Reuters)
Não sei exatamente onde estava quando as primeiras fotos e vídeos de Kadafi sendo subjugado por rebeldes, mercenários ou supostamente membros do Conselho Nacional de Transição da Líbia começaram a circular pelo Twitter ou pelo Facebook.
Sei que nos últimos 30 anos, enquanto o ditador barbarizava eu percorria o caminho como profissional de comunicação. E, como tal - repórter, redatora, editora, publicitária, revisora, acompanhei o movimento da mídia: reservado ou histriônico, distante ou contundente, equilibrado ou desbaratado, sobre as notícias do chamado "mundo cão".
O fato é que hoje, assistindo saltarem à mão cheia das redes sociais as fotos horripilantes de Kadafi morto e os vídeos feitos por celulares de sua invocação à misericórdia enquanto seu rosto se desfigurava ao som de uma trilha sonora de tiros, me angustio com a banalidade deste tipo de exposição na cobertura e narrativa dos fatos, jornalística ou amadora.
Vejo sob o mesmo prisma tanto os álbuns de fotos em perfis de adolescentes que nunca souberam antes quem era Muammar al-Gaddafi quanto o sangue que escorre do último vídeo divulgado na primeira página do G1: não são cenas de um mundo cão. O mundo é, ou melhor, está cão. Trata-se, portanto, de um status quo onde a violência, esteja de que lado esteja, não precisa de licença para ser publicizada. Não cabe sequer discutir aqui o perfil dos supostos matadores de Kadafi e sua dissociação de fato, com o povo sofrido da Líbia e com os movimentos genuínos de revolta popular dos últimos oito meses.
Kadafi morreu deste modo sórdido porque colheu o que plantou. Ou não. Há de ser importante e relevante o destino do povo da Líbia, oprimido há mais de quatro décadas, não o trajeto do corpo ou o número de buracos de bala na cabeça de seu algoz, assassinado. Mas é isto que faz a espuma midiática. Resta pouco ou nada a discussão de questões humanísticas ou a análises de especialistas que possam, minimamente, tratar da ordem dos direitos civis, das consequências políticas ou econômicas, dos ganhos sociais da era pós-Kadafi.
No calor da morte do ditador, o G1 chega ao cúmulo de separar frame a frame as partes de um vídeo, não sem antes avisar em quadro do mesmo tamanho que "as cenas são fortes". Tal qual a montagem de um filme macabro. Claro, vê quem quer. E é isso que me preocupa: a avidez da audiência e o descolamento que se forma em fatos como este pelo público consumidor da mídia.
Estamos selvagens. Voltamos às tribos espetaculosamente. É o espetáculo do corpo de Osama jogado ao mar. É o espetáculo da apresentação do corpo de Kadafi coberto de ferimentos.
Só que agora com todo tipo de aparato tecnológico, para não se perder nada: nem o flagrante que podemos dar, nem a imagem que não se pode deixar passar. E passar adiante, adiante e mais adiante. Onde vamos parar, tenho até medo de supor.